quarta-feira, 26 de junho de 2019

Simplesmente Mulher




“O amor é transformador. É possível enfrentar o ódio e a violência política de nossos adversários e sonhar um Brasil das mulheres, das crianças, da juventude.”

Manuela D’Vila


Não há personagem mais emblemática e que sofreu tanto moralismo e preconceito como Maria Madalena. Ela carregou e carrega o peso da “prostituta e pecadora”. E mesmo diante de seus atos com e para o “Mestre” e do acolhimento que Ele a oferecera durante suas passagens, ela, fora crucificada pela humanidade.
Fazendo um paralelo com as mulheres atendidas pelo Projeto Força Feminina percebo que não há coincidência nas histórias. Atendemos diariamente mulheres marcadas pelos vários tipos de violência, pela invisibilidade nas políticas públicas, pela falta de acesso aos direitos sociais básicos e que sofrem, ainda no século XXI, o estigma da prostituição.
Muitos esquecem que essas mulheres são mais que prostitutas, são mães, irmãs, amigas, companheiras, cidadãs e precisam ser visibilizadas e respeitadas... Elas, são seres humanos.
As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com um estigma, e os atos que empreendemos em relação a ela são bem conhecidos na -medida em que são as respostas que a ação social benevolente tenta suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: Construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social. (GOFFMAN, 1988, p. 08)

Isso se torna ainda mais perverso e triste quando confirmamos que a maioria das mulheres atendidas pelo Projeto Força Feminina são Mulheres negras, em situação de maior vulnerabilidade por causa do impacto de discriminações, racismo, sexismo e outras formas de opressão em suas vidas. A vida dessas mulheres é marcada por sucessivas lutas – silenciosas - contra o racismo e o sexismo, suas relações socioeconômicas são assinaladas pela resistência à desigualdade de gênero mesmo, sem que elas percebam.
As desigualdades geradas pelo racismo e sexismo confinam as mulheres negras ao patamar inferior no sistema de exploração/dominação e, por sua vez, a interseccionalidade de desigualdades raciais, classe e gênero reforçam as vulnerabilidades dessas mulheres. Elas, são vítimas de constante violência, o retrato disso é que o Brasil apresenta umas das taxas mais elevadas no mundo de feminicídios. Para se ter uma ideia o assassinato de mulheres negras aumentou cerca de 54% em dez anos, enquanto a quantidade de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%. Tais dados demonstram que recaem sobre as mulheres negras os impactos das desigualdades sociais no país (PRADO et al., 2017).
A atuação do Projeto Força Feminina vai contra essa correnteza, buscamos sensibilizar a sociedade acerca da mulher enquanto mulher, mas também o respeito a atividade que lhe fora colocada e/ou por elas escolhida. Não podemos atuar sozinhos e a Rede de Enfrentamento a Violações de Direitos atua junto conosco para que possamos ser um ponto de apoio à essas mulheres e estimulá-las à construção de seu caminho; um caminho de respeito e novas possibilidades. O ânimo dos profissionais em querer transformar “um mundo melhor” com igualdade de oportunidade, equidade sócio/racial faz com que a fusão dessa Rede seja uma demonstração de empatia.
Apesar de nossa “humilde força” no amplo trabalho com as mulheres que exercem a prostituição, especificamente as mulheres negras, temos a convicção que estamos no caminho certo para honrar a história da mulher que dedicou sua vida na construção de ferramentas para que possamos atuar nas Unidades da Rede Oblata com dignidade: Madre Antônia. Ela fez um caminho humano, se despindo de um ambiente de riqueza para se entregar ao trabalho com mulheres que exercem a prostituição. Nós, Rede Oblata queremos perpetuar esse gesto e garantir direitos as mulheres que atendemos diariamente.
eu estava então como os trabalhadores do Evangelho, esperando que fossem enviados à vinha do Senhor. Porém essa vinha não era a que eu teria escolhido; no entanto a graça triunfou sobre a repugnância da natureza e entreguei-me com toda minha alma à obra projetada”. (Madre Antônia)

E como Maria Madalena mesmo sendo discriminada, insultada e conduzida aos critérios expostos por requisitos patriarcais é lembrada pela sua perseverança, nós queremos ser lembradas pela ousadia de sermos mulheres. 

Alessandra Gomes
Coordenadora do Projeto Força Feminina

Bibliografia
CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 1 ed., 2011.
Disponível em: http://www.hermanasoblatas.org/pt-pt/fundacao/antonia-ma-oviedo-schonthal
GOFFMAN, E. Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.

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