“O
amor é transformador. É possível enfrentar o ódio e a violência política de
nossos adversários e sonhar um Brasil das mulheres, das crianças, da
juventude.”
Manuela D’Vila
Não há personagem mais
emblemática e que sofreu tanto moralismo e preconceito como Maria Madalena. Ela
carregou e carrega o peso da “prostituta e pecadora”. E mesmo diante de seus
atos com e para o “Mestre” e do acolhimento que Ele a oferecera durante suas
passagens, ela, fora crucificada pela humanidade.
Fazendo
um paralelo com as mulheres atendidas pelo Projeto Força Feminina percebo que
não há coincidência nas histórias. Atendemos diariamente mulheres marcadas
pelos vários tipos de violência, pela invisibilidade nas políticas públicas, pela
falta de acesso aos direitos sociais básicos e que sofrem, ainda no século XXI,
o estigma da prostituição.
Muitos
esquecem que essas mulheres são mais que prostitutas, são mães, irmãs, amigas,
companheiras, cidadãs e precisam ser visibilizadas e respeitadas... Elas, são seres
humanos.
As atitudes que nós, normais, temos com uma
pessoa com um estigma, e os atos que empreendemos em relação a ela são bem
conhecidos na -medida em que são as respostas que a ação social benevolente
tenta suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com
um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos
de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar,
reduzimos suas chances de vida: Construímos uma teoria do estigma; uma
ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela
representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras
diferenças, tais como as de classe social. (GOFFMAN, 1988, p. 08)
Isso
se torna ainda mais perverso e triste quando confirmamos que a maioria das
mulheres atendidas pelo Projeto Força Feminina são Mulheres negras, em situação de maior vulnerabilidade por causa do
impacto de discriminações, racismo, sexismo e outras formas de opressão em suas
vidas. A vida dessas mulheres é marcada por sucessivas lutas – silenciosas - contra
o racismo e o sexismo, suas relações socioeconômicas são assinaladas pela
resistência à desigualdade de gênero mesmo, sem que elas percebam.
As
desigualdades geradas pelo racismo e sexismo confinam as mulheres negras ao
patamar inferior no sistema de exploração/dominação e, por sua vez, a interseccionalidade
de desigualdades raciais, classe e gênero reforçam as vulnerabilidades dessas
mulheres. Elas, são vítimas de constante violência, o retrato disso é que o
Brasil apresenta umas das taxas mais elevadas no mundo de feminicídios. Para se
ter uma ideia o assassinato de mulheres negras aumentou cerca de 54% em dez
anos, enquanto a quantidade de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%.
Tais dados demonstram que recaem sobre as mulheres negras os impactos das
desigualdades sociais no país (PRADO et al., 2017).
A
atuação do Projeto Força Feminina vai contra essa correnteza, buscamos sensibilizar
a sociedade acerca da mulher enquanto mulher, mas também o respeito a atividade
que lhe fora colocada e/ou por elas escolhida. Não podemos atuar sozinhos e a
Rede de Enfrentamento a Violações de Direitos atua junto conosco para que
possamos ser um ponto de apoio à essas mulheres e estimulá-las à construção de
seu caminho; um caminho de respeito e novas possibilidades. O ânimo dos
profissionais em querer transformar “um mundo melhor” com igualdade de
oportunidade, equidade sócio/racial faz com que a fusão dessa Rede seja uma demonstração
de empatia.
Apesar
de nossa “humilde força” no amplo trabalho com as mulheres que exercem a
prostituição, especificamente as mulheres negras, temos a convicção que estamos
no caminho certo para honrar a história da mulher que dedicou sua vida na
construção de ferramentas para que possamos atuar nas Unidades da Rede Oblata com
dignidade: Madre Antônia. Ela fez um caminho humano, se despindo de um ambiente
de riqueza para se entregar ao trabalho com mulheres que exercem a
prostituição. Nós, Rede Oblata queremos perpetuar esse gesto e garantir
direitos as mulheres que atendemos diariamente.
“eu estava então como os trabalhadores do Evangelho,
esperando que fossem enviados à vinha do Senhor. Porém essa vinha não era a que
eu teria escolhido; no entanto a graça triunfou sobre a repugnância da natureza
e entreguei-me com toda minha alma à obra projetada”. (Madre Antônia)
E
como Maria Madalena mesmo sendo discriminada, insultada e conduzida aos
critérios expostos por requisitos patriarcais é lembrada pela sua perseverança,
nós queremos ser lembradas pela ousadia de sermos mulheres.
Alessandra Gomes
Coordenadora do Projeto Força Feminina
Bibliografia
CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e
Desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 1 ed., 2011.
Disponível em: http://www.hermanasoblatas.org/pt-pt/fundacao/antonia-ma-oviedo-schonthal
GOFFMAN, E. Estigma. Notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.