quarta-feira, 17 de julho de 2019

Mapa expõe dados sobre violência contra mulheres e população LGBT+

Mapa da Violência de Gênero lança luz sobre violência contra mulheres e população LGBT+ no Brasil

A endêmica violência que acomete o Brasil faz vítimas. Sobretudo, mulheres e LGBT+. Ao menos é o que mostra o Mapa da Violência de Gênero, realizado pela Gênero e Número e apoiado pela Alianza Lationamericana para la Tecnología Cívica (ALTEC), que destaca: em média, na última década foram assassinadas por dia no Brasil 12 mulheres – entre elas, as mulheres negras são as maiores vítimas.
Entre os diferentes tipos de violência registradas na pesquisa, as mulheres foram vítimas de 90% dos 73 estupros cometidos diariamente em 2017.
Em tempos onde pesquisas e estudos perdem espaço para a difusão de informações com base em achismos sem qualquer embasamento, o Mapa da Violência de Gênero, em formato interativo inédito, disponibiliza as duas maiores bases oficiais de dados sobre violência do país – a do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/DATASUS) e a do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) – abrindo múltiplas possibilidades de pesquisa a partir de um grande volume de dados.

Apuração dos fatos

Resultado de um trabalho de pesquisa de um ano, com metodologia desenhada pela especialista em violência de gênero Wânia Pasinato e executado por uma equipe multidisciplinar da GN, a ferramenta se valeu de textos e análises de cenários dos 27 Estados brasileiros.
O material, até então manuseados principalmente por pesquisadores ou jornalistas dispostos a percorrer o caminho de solicitação via Lei de Acesso à Informação (LAI), expõe dados estatísticos oficiais mais importantes e abrangentes sobre violência distribuídos por sexo (feminino e masculino). Também está disponível a qualquer pessoa
interessada sobre o tema.

Como funcionam as leis para minorias ?

Na seção Leis do estudo é possível conhecer a produção legislativa estadual sobre o tema para além daquelas que significaram importantes marcos nacionais, como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2002).
No levantamento estão destacados os mecanismos legais estaduais com efetivo potencial de impacto na proteção e acolhimento das vítimas e punição dos agressores.
As fragilidades na coleta, produção e divulgação desses dados no Brasil guiaram uma outra frente de trabalho do Mapa, focada em incidência.

Coleta de dados contra a barbárie

Com a proposta de fortalecer a sistematização e padronização dos dados de violência contra mulheres, um grupo de formado pela Gênero e Número e as organizações convidadas ONU Mulheres e Artigo 19 abriu diálogo com o Conselho Nacional do Ministério Público para discutir as debilidades do Cadastro Nacional de Violência Familiar e Doméstica contra a Mulher, um dos principais instrumentos para a coleta desse tipo de dado.
Os detalhes dessa frente de trabalho do Mapa podem ser conhecidos na página Incidência. O Mapa nasce sobretudo com esse propósito: denunciar e exigir a produção de dados cada vez mais qualificados, que apoiem o avanço de políticas de prevenção e enfrentamento à violência. Nesse percurso, o acesso à informação e a reflexão crítica são ferramentas centrais no combate à barbárie.

Retirado: Geledés

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Nome e sobrenome: a importância das intelectuais negras para a pesquisa acadêmica

Na coluna de estreia, Midiã Noelle sugere que o leitor conheça melhor o trabalho de Ana Flávia Magalhães Pinto, Ana Luiza Flauzina e Carla Akotirene
Olá carx leitxr. Me chamo Midiã Noelle Santana e estarei todas as quintas-feiras aqui contigo. De início, já explico: geralmente me apresento assim, com nome e sobrenome. Internalizei essa prática após orientação da socióloga Vilma Reis inspirada em citação da antropóloga Lélia Gonzales (in memorian), e compreendi que se a gente - população negra - não afirma nossa própria existência, o racismo chega sorrateiro e nos nomeia como lhe convir. Aproveito ainda para convidar pessoas não negras a lerem os conteúdos, tomarem um chá de empatia e se aliarem na luta antirracista.
Não à toa iniciamos a coluna neste mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, em 25 de Julho, e que mulheres negras de todo o Brasil se mobilizam em seus estados com atividades entorno da pauta. Chego para reforçar as reflexões sobre negritude - trazidas também na coluna do ator Érico Brás - a partir do meu lugar de fala enquanto feminista e militante do movimento de mulheres negras. E para iniciar a nossa jornada aqui no @Correio24horas falarei sobre três intelectuais negras que vem trazendo em suas obras literárias narrativas potentes e a partir de reflexões históricas.                                           
Sabemos que as mulheres negras estão nos piores índices socioeconômicos do Brasil. Mas, é sabido também, que em paralelo, são elas mesmas a linha de frente para mudar as realidades impostas pelo combo: racismo, machismo, sexismo, lgbtfobia e outros crimes e formas de violência. E esse enfrentamento também se dá através do registro da memória destas lutas em produções intelectuais. Muitas obras são produzidas por negras sem formação superior, como Carolina de Jesus, autora de “Quarto de Despejo”, traduzido para mais de dez idiomas. As admiro e me reenergizo em suas escrevivências (termo cunhado por Conceição Evaristo), mas considerando especificamente a situação atual de desmonte das universidades públicas no Brasil, destaco aqui nomes importantes da pesquisa acadêmica na atualidade: Ana Flávia Magalhães Pinto, Ana Luiza Flauzina e Carla Akotirene.
Ana Flávia Magalhães: em meus tempos de estagiária, Ana Flávia foi minha anja da guarda. Amiga de minha primeira chefa, ela aliviava as broncas e saía em minha defesa quando eu era “foca”, iniciante no jornalismo. Na época não a conhecia, nem sabia disso, mas anos depois, quando descobri, fiquei honrada. Ana é uma jornalista e historiadora de referência, mestre em História pela Universidade de Brasília e doutora e pós-doutora em História pela Univerdade de Campinas. Neste ano lançou o “Escrito de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista”. No passado, nomes como os de José do Patrocínio e Luiz Gama ocuparam jornais de forma estratégica para contribuir no movimento abolicionista. Estas e muitas outras histórias estão na publicação. A intelectual é uma inspiração por nos transportar ao passado e potencializar novas formas de resistência. Atualmente é professora de Teoria e Metodologia do Ensino de História na UNB.
(Foto: Divulgação)
Ana Luiza Flauzina: O livro “Corpo Negro Caído no Chão: o sistema penal e o processo genocida do Estado brasileiro” desta advogada e historiadora foi uma das principais fontes de pesquisa que utilizei para concluir a minha dissertação. Por sorte, a vida me possibilitou conhecê-la. E fiquei ainda mais fã. Uma conversa equivale a uma aula! Atualmente é professora da Faculdade de Educação da UFBA, mas também já lecionou na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Ela é mestra em direito pela UNB, doutora em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Washington e pós-doutora pelo Departamento de Estudos da África e da Diáspora Africana da Universidade do Texas. Diretora de criação da editora Brado Negro, Ana é uma referência importante para compreender o racismo institucional no sistema de justiça brasileiro. Se você quer entender sobre o mito da democracia racial a partir de um olhar histórico cronológico forjado pela nossa herança colonial, ela é fundamental! Aconselho também “Utopias de nós desenhadas a sós”.
(Foto: Divulgação)
Carla Akotirene: Ser de leveza espiritual e força, é uma mulher com uma trajetória forte. Inicio contando que Carla me fez refletir sobre a importância do meu processo de autoria e reconhecimento enquanto intelectual. Se estou aqui, em parte, é graças a ela. A pesquisadora lançou em 2018 o livro “O que é Interseccionalidade?”, na coleção Femininos Plurais, idealizada pela filosofa Djamila Ribeiro. Carla, que já trabalhou como cordeira no carnaval de Salvador, hoje é assistente Social do município de Salvador, onde cuida de mulheres que sofrem violência doméstica. É mestra e doutoranda em estudos feministas pela UFBA, tendo como tema de pesquisa a interseccionalidade no sistema prisional. Akotirene também criou projeto Opará Saberes, de instrumentalização para estudantes negros/as entrarem em cursos de mestrado e doutorado em instituições de ensino público e lecionou no Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da UFBA.  
(Foto: Acervo Pessoal)
Nossos passos vêm de longe e sabemos que há muitas escritoras e pesquisadoras negras incríveis, tais como: Zelinda Barros, Cidinha da Silva, Lívia Natália, Beatriz Nascimento, Jurema Werneck, entre tantas outras. Ao longo dos próximos textos buscarei trazê-las. Desta vez, os caracteres me limitaram. O ser mulher negra não cabe em uma coluna, mas espero contar contigo para irmos pensando juntxs sobre isso. Ubuntu.

Fonte: Correio 24 horas