Por Rose
Cristiane Salvador
Valores
neoliberais, globalização, pornografia, tráfico de seres humanos para fins de
prostituição, legalização e normatização com bases liberais de comércio e proteção
ilusória para a prestação de serviços sexuais, assumem um discurso em que a
pauta passa a ser sobre direito, liberdade e trabalho.
Mas
até que ponto isso é verdadeiro? É possível confiar na lógica neoliberal? Países
como Suíça, Austrália, Nova Zelândia, Países Baixos legalizaram a prostituição
em nome dessa “autonomia”. Onde o discurso dúbio e muitas vezes cínico da
ideologia liberal de moralidade, lentamente foi cedendo espaço à formulação de
uma ideia de “liberdade” - outrora negada. Mudança essa que se apóia no
crescimento da indústria do sexo e sua demanda e na globalização neoliberal, fenômenos
esses que se entrelaçam e que em muitos momentos se fortalecem.
Não
obstante, países que vivenciaram a experiência da regulamentação da
prostituição comprovam o crescimento da indústria do sexo e por conseqüência o fortalecimento
do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. A esse exemplo temos os
índices dos Países Baixos: Em 1981 foram tabuladas 2500 pessoas prostituídas e traficadas,
10 mil em 1985, 20 mil em 1989 e 30 mil em 2001. Vale ressaltar que, 80% dessas
pessoas em situação de prostituição vieram do exterior e que dentre estas, 70%
não possuem documentação, características claras da ação dos traficantes de seres
humanos.
“Entende-se como tráfico de pessoas à captação,
o transporte, a translado, a acolhimento ou recepção de pessoas, recorrendo à
ameaça ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à concessão
ou recebimento de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma
pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração. Essa
exploração incluirá no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outra
forma de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou
práticas análogas à escravatura, a servidão ou extração de órgãos”.
Importante
ressaltar que, estimava-se que a legalização da prostituição pudesse impedir ou
reprimir a exploração sexual de menores. Triste engano. Pois, se percebeu que o
número de menores explorados sexualmente passou de 4 mil em 1996 para 15 mil em
2001, dos quais 5 mil são de origem estrangeira e oriundas do tráfico. Apenas
durante o primeiro ano da legalização da prostituição nos Países Baixos pode-se
perceber um crescimento de 25% na indústria do sexo (POULIN, 2005) .
O número
de pessoas em situação de prostituição/exploração sexual, em sua grande
maioria, é de mulheres e crianças de origem estrangeira e vítimas do tráfico
pessoas - fenômeno mundial. Países como a Dinamarca exemplificam muito bem essa
situação, de 1995 a 2005 o número de pessoas vitimas do tráfico foi
multiplicada por dez. Na Austrália 90% das pessoas em situação de prostituição
são estrangeiras, na Itália entre 67% e 80%, na Alemanha entre 75% e 85%. Na Grécia estima-se que aproximadamente 20 mil
pessoas por ano são vítimas de tráfico para fins de exploração sexual, tendo
crescido mais de 300% em apenas dez anos.
Entre
os anos de 1990 e 2000 aproximadamente 77.500 jovens mulheres estrangeiras e em
sua maioria menores, foram negociadas no mercado paralelo europeu por
aproximadamente 500 euros cada, podendo ser renegociadas diversas vezes e
revendida para inúmeros outros destinos/rotas. Vale ressaltar que, o lucro
decorrente da exploração sexual dessas meninas é incomensurável. E que devido a
essa extrema lucratividade, prolifera-se em larga escala uma gigantesca rede de
tráfico de seres humanos. Estima-se que essa grande rede seja composta por
bares, clubes noturnos, salões de massagens, saunas e etc. e que se apóiam nessa
economia paralela grande redes de hotéis, companhias aéreas, taxistas,
policiais corruptos e parte da indústria do turismo voltada para o comércio
sexual. A Tailândia é um excelente exemplo para termos noção de até aonde vão
os tentáculos dessa rede: em 1995, foi calculado que os lucros da prostituição
na Tailândia constituem entre 59% e 60% do orçamento desse país. Ficando claro
que seus próprios governantes se beneficiam dessa situação, visto que, em 1997
foi utilizada como promoção do turismo local a seguinte frase: “A única fruta da Tailândia mais deliciosa
que o durian (fruto local) são as jovens mulheres” (POULIN, 2005).
Destaca-se a relação análoga feita pelo atual presidente do Brasil (2019), que vergonhosamente
estimulou a apologias a exploração sexual de meninas e mulheres brasileiras por
parte dos turistas – ação misógina repudiada nacionalmente.
“O
Brasil através de seu órgão responsável, a EMBRATUR – Empresa Brasileira de
Turismo iniciou campanhas de propaganda tentando vender o País como um destino
de turismo dos mais ricos no mundo. A propaganda utilizada pela EMBRATUR nos
anos 70 e 80 enaltecia não só as belezas naturais, mais também a sexualidade da
mulher brasileira, os cartazes de divulgação, folders, filmes publicitários e a
participação em congressos mundiais de turismo, a participação da mulata e
negra brasileira era presença certa, sempre vestida trajes sumários”. (ARAÚJO,
2003) [4]
Faz-se
imprescindível pontuar que as políticas governamentais compõem fator
fundamental para coibir ou proliferar essa realidade. A desordem social, pobreza, miséria, guerras e
por conseqüência um alto índice de migrações em diversas regiões do hemisfério,
muitas vezes favorecem a proliferação de atividades voltadas às mais variadas
formas de tráfico e comercialização de seres humanos.
No
caso do Brasil, as principais dificuldades encontradas no combate ao tráfico de
pessoas são: a gigantesca extensão territorial; a longa extensão de fronteira
seca, facilitando o trânsito entre países; o contingente ínfimo de policiais
federais se comparados à extensão territorial brasileira.
“As
políticas migratórias internacionais mostram uma tendência pouco esperançosa. A
construção de barreiras nas fronteiras, tanto legislativas (Acordo de Schengen)
quanto físicas (os muros nos EUA e em Israel...) e a criminalização dos
migrantes favorecem sua vulnerabilidade, tanto os regulares, quanto os
irregulares. A “lei do tráfico” ensina: Quanto mais rigorosas as leis de
migração, mais floresce o tráfico de pessoas. Enquanto isso, a Convenção da ONU
sobre a Proteção de todos os Trabalhadores Migrantes e seus Familiares não foi
ratificada por nenhum dos principais países de destino de migração
internacional”. (SNJ, 2008) [5]
É
vergonhoso perceber que o binômio mulher-corpo ainda continua enraizada no cotidiano
e no senso comum da sociedade mundial que insiste em retroalimentar características
machistas, racistas, escravocratas e exploratórias mesmo em pleno século XXI.
Se faz
necessário perceber que existe uma relação direta entre exploração sexual e
tráfico de pessoas com o modelo de desenvolvimento econômico neoliberal. Deve-se
observar que nesta linha teórica a assistência pública é mantida sempre a
níveis mínimos. Onde teóricos neoliberais justificam essa não interferência do
Estado, através do frágil argumento de que a promoção de uma assistência
pública robusta poderia desestimular a participação do indivíduo no mercado de
trabalho. Colocar o mercado acima do bem-estar social é garantir o fortalecimento
da exploração de seres humanos e a precarização da sua força de trabalho, tornando
o trabalhador cada vez mais vulnerável, especialmente as mulheres. É constituir
o cenário perfeito para o desenvolvimento de uma prática exploratória de
degradação humana sem precedentes, fortalecendo o capital em detrimento do SER.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Maria das N. R.
Prostituição: Trabalho sexual ou escravidão sexual? In: Trabalho ou Escravidão
Sexual? Lima, 2003.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI,
Marina de Andrade. Metodologia científica.
4ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2004.
NAVARRO, Tânia Swain. Estudos Feministas. Revista Unimantes
Científica. Vol.6, n 2. Brasil: dezembro 2004.
OAB – Bahia: Comissão de
Proteção aos Direitos da Mulher. Campanha Publicitária (2019).
Organização Internacional do
Trabalho: Cidadania, Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas (Manual para
Promotoras Legais Populares). Brasil, 2009.
POULIN, Richard. Quinze teses
sobre o capitalismo e Sistema mundial de Prostituição. In: Caderno Sempre Viva.
Desafios do Livre Mercado para o Feminismo. São Paulo: SOF. 2005.