segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Maria Chiquinha só morreu porque o Genaro era machista

– Então eu vou te cortar a cabeça, Maria Chiquinha
– Que cocê vai fazer com o resto, Genaro, meu bem?
– O resto? Pode deixar que eu aproveito.
Os versos acima poderiam estar num inquérito policial, mas estão no cancionário brasileiro. Eu sei cantar, provavelmente você também. É o trecho final da música “Maria Chiquinha”, música que ficou conhecida com Sandy e Junior e foi o primeiro sucesso da carreira dos dois, quando tinham 6 e 5 anos (!).
Se hoje temos problemas em reconhecer a violência contra a mulher, quem dirá nas décadas de 80 e 90. A questão era tão tão tão naturalizada que nossa sociedade achou incrivelmente normal duas crianças cantarem isso. A gente simplesmente nunca reparou do que a música se tratava e, se reparou, relevou.
Sou fã de Sandy e Junior desde sempre e foi há pouquíssimo tempo que percebi o que sempre cantei. Uma das músicas mais importantes para mim é um feminicídio dos mais típicos e com requintes de necrofilia. Culpa de Sandy e Junior? De jeito nenhum. De pais desnaturados? Também não. Culpa da nossa sociedade mesmo, que aceitou e aceita até hoje músicas e outros produtos culturais que rebaixam a mulher*, e que tem o sexismo tão incorporado que mesmo cantado por crianças ele passou despercebido. A violência de gênero está entranhada no DNA do Brasil.
E é essa normalização que permite que 13 mulheres sejam mortas por dia no país por motivos discriminatórios. Ou seja, por feminicídio. A devastadora maioria morta por familiares e pessoas de confiança, especialmente parceiros e ex-parceiros. Mortes totalmente evitáveis, que sinalizam por meses ou anos antes de se concretizarem, mas que não encontram resposta da Justiça. O número brasileiro é o quinto mais alto do mundo, mas apesar de ser um verdadeiro escândalo ainda comove e mobiliza muito pouco a sociedade. Em geral, o viés de gênero é apagado e o problema é tratado como um caso pessoal e não como a doença social que é.
Como causa e consequência da falta de apoio social, há pouca resposta institucional para o feminicídio. Temos uma lei específica, embora super recente (1 ano recém-completado), mas a rede de serviços (delegacias contra a mulher, casas-abrigo, etc) ainda é muito escassa e ineficaz, o que só colabora para que nosso números sejam tão altos, especialmente entre populações já marginalizadas, como as mulheres negras (entre elas, as mortes aumentaram 54% nos últimos dez anos, enquanto caiu o das mulheres brancas). Cultura machista e instituições ineficazes e contaminadas com um sexismo estrutural: o Brasil tem uma combinação matadora para a vida das mulheres.
O único caminho para reverter esse quadro é a educação e a conscientização, que essa semana ganharam uma ferramenta pra lá de valiosa. O Instituto Patrícia Galvão lançou o Dossiê Feminicídio, que pode ser acessado. O Dossiê vem com a necessária e urgente missão de informar a sociedade sobre as raízes, os números e as consequências desse crime em nossa sociedade. É muito pedagógico e recomendo a todos os leitores, especialmente os jornalistas, comunicadores e professores. Não faltam fontes, pesquisas, apontamentos e muita reflexão sobre o tema feito por gente capacitada. Com o dossiê podemos ter uma noção exata da profundidade do buraco brasileiro.
Se dava pra ouvir Maria Chiquinha sem se incomodar com o teor da letra, eu esperava que hoje, com lei Maria da Penha e lei do Feminicídio, não desse mais. Nem Maria Chiquinha nem qualquer música de qualquer gênero sobre violência contra a mulher, cantada por crianças ou adultos. Mas se assim fosse, o Dossiê nem precisaria existir. Ele existe justamente porque normalizamos e compactuamos com o feminicídio, invisibilizamos e matamos as mulheres. A mudança está em nossas mãos, todos os dias.
Quanto a mim: ainda amo Maria Chiquinha com muita força, mas essa é a última vez que falo dela em público. Daqui pra frente, só se for pra pedir cadeia pro Genaro.
Mulheres em situação de rua
A escola do morador de rua é o mundo, onde se vive as dores da vida.”
(W.A., moradora de albergue)
Por Thaís Milson
De acordo com o Decreto Federal nº 7.053/2009 (que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua), entende-se por população em situação de rua: o grupo populacional heterogêneo que compartilha da condição de pobreza extrema, vínculos familiares fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, procurando os logradouros públicos (ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e baixios de viadutos), as áreas degradadas (dos prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças de veículos) como espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma permanente, podendo utilizar albergues para pernoitar e abrigos, casas de acolhida temporária ou moradias provisórias (BRASIL, 2009).
Em São Paulo, de acordo com o Censo da População em situação de rua realizado em 2011, há aproximadamente 14.478 (quatorze mil quatrocentos e setenta e oito) indivíduos, sendo 6.765 (seis mil setecentos e sessenta e cinco) em situação de rua e 7.713 (sete mil setecentos e treze) em centros de acolhida da capital. Deste total, 12% são mulheres (cerca de mil seiscentos e oitenta mulheres das mais variadas faixas etárias).
Trazer a questão de gênero para essa discussão tem suas especificidades, pois estamos contextualizando uma forma diferente de sobreviver, porém, o papel feminino nas ruas, não se diferencia totalmente da realidade de muitas mulheres que estão inclusas na sociedade.
Nas intervenções que participei com a população de rua, tive a oportunidade de conhecer algumas mulheres, dentre elas contarei a história de Glória. Negra, com a idade por volta de 40 anos, era quase imperceptível, mas estava grávida de quatro meses. Viciada em crack e há dez anos vivendo na rua, transformou o entorno da estação da luz em seu lar. Com 1,75 de altura, aparentando pesar menos de 50 kilos, para sobreviver, Glória conta com o auxilio dos abrigos, entidades religiosas e esmolas.
Em nossos encontros, eram perceptíveis as marcas de violência física em seu corpo, quando questionei o que havia acontecido, Glória explicou que em uma das batidas policiais no local em que estava, acabou sofrendo agressão policial, prática habitual da policia, para dispersar a concentração de moradores de rua da região. Glória relatou a dificuldade de conviver nas ruas e a necessidade de proteção “na rua a gente tem que ficar esperta, se bobear roubam e batem na gente” palavras de Glória ao se referir sobre a relação com outros moradores de rua.  Seu companheiro, também morador de rua e coletor de recicláveis, é segundo ela, seu protetor e quem a ajuda no dia-a-dia.
Segundo TIENE (2004), as mulheres em situação de rua nunca estão sozinhas, procura conviver em grupos como forma de proteção, muitas procuram companheiros para se sentirem seguras, sendo muitas vezes submetidas sexualmente para garantir a segurança de outros. Viver na rua, para as mulheres é também construir essas relações necessárias ao seu cotidiano.
Glória, apesar da vulnerabilidade, do desamparo de direitos legais, preconceito, exposição à violência, fez das ruas o seu lar, o seu modo de vida, e no cotidiano, desenvolve formas especificas de sobrevivência, tornando a rua um espaço de referência, criando as suas próprias relações e a identificação com esse novo modo de vida, pois encontra pessoas nas mesmas condições de sobrevivência. É necessário removermos os preconceitos e nos aproximarmos mais dessas mulheres, conhecendo suas histórias, lógicas de sobrevivência, necessidades, esperanças, retirando a capa de invisibilidade que a sociedade insiste em manter ao marginalizá-las.
É necessário politicas públicas especificas para as mulheres em situação de rua, garantindo cuidados diferenciados. Pensar em uma política social para essas mulheres, vai além de  construir abrigos/albergues, mas sim locais que produzam a oportunidade de ter melhor qualidade de vida.

Público do Estado de Minas Gerais –MPMG. Cartilha Direita do Morador de Rua Ministério, 2010.
TIENE, Isalene. Mulher moradora na rua: espaços e vivências. Mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, PUC-SP, 2000.

Casos de sífilis voltam a aumentar no Brasil

Epidemia de sífilis no Brasil é decorrente de “múltiplas causas”, como a queda no uso do preservativo, por exemplo

A sífilis não vinha num patamar de eliminação, mas seguia estável e, de repente, surgiu um maior número de casos”, disse a diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das DST, Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken. Ela lembrou que a sífilis é uma doença de notificação compulsória - qualquer caso deve ser obrigatoriamente notificado. O que tem se observado nos últimos cinco anos, segundo Adele, é um crescimento do número de casos dessas três notificações, inclusive da congênita.
Para a diretora, a epidemia de sífilis no Brasil é decorrente de “múltiplas causas”, como a queda no uso do preservativo - sobretudo entre pessoas de 20 a 24 anos -, faixa etária onde comumente se registra maior atividade sexual e sem parceria fixa. Outra questão envolve o acesso à penicilina, principal medicamento utilizado no tratamento da sífilis.
Os problemas, no Brasil, começaram no ano passado, com o desabastecimento de matéria-prima, mas o ministério garante que o estoque foi reposto por meio da importação da droga. A resistência de profissionais da enfermagem em aplicar a penicilina na atenção básica também pesa nos números da epidemia de sífilis no país - principalmente nos casos em gestantes e, consequentemente, de sífilis congênita.
Isso porque há um risco, ainda que pequeno, de choque anafilático no paciente. “É preciso que todos se engajem para detectar um caso, principalmente na gravidez, e iniciar imediatamente o tratamento. Com uma única dose, conseguimos reduzir a taxa de transmissibilidade da mãe para o bebê em quase 90%”, diz. “Não há porque temer aplicar a penicilina na gravidez. A alergia à penicilina é um episódio raro”.