Fernanda
Priscila Alves da Silva
A atualidade nos apresenta
diversos problemas que são denominados: infelicidade, incapacidade para tomar
uma decisão referente às escolhas que devem ser feitas, desespero generalizado,
falta de objetivo na vida e assim por diante. Neste contexto a busca de
conhecer a si mesmo torna-se cada vez mais um grande desafio.
De acordo com as reflexões
trazidas por Bauman o período atual marcado pela globalização não deve ser
analisado apenas sob o ponto de vista econômico, mas também e fundamentalmente
sobre seus efeitos na vida cotidiana. Em sua perspectiva, esta sociedade tem
tornado incertas e transitórias as identidades
sociais, culturais e sexuais. Por
isso, a reflexão acerca da identidade, do autoconhecimento, da procura de si
mesmo tem sido de grande relevância por um lado e de grande desafio por outro.
Rollo May, um dos maiores
psicanalistas do século XX, mostra em suas obras que o problema fundamental do
ser humano no fim do século XX, e posteriormente no século XXI é o vazio. Ele
expressa que isto não significa apenas que as pessoas ignorem o que querem ou
desejam, mas frequentemente não tem ideia do que sentem.
Quando
falam sobre autonomia, ou lamentam sua incapacidade para tomar decisão -
dificuldades presentes em todas as épocas - torna-se logo evidente que seu
verdadeiro problema é não ter uma experiência definida de seus próprios desejos
e necessidades. Oscilam desse modo para aqui e para ali, sentindo-se
dolorosamente impotentes porque ocas vazias. O que as leva a buscar ajuda
talvez seja, por exemplo, o fato de romperem sempre seus relacionamentos
amorosos, ou não conseguirem concretizar seus planos.
Em seus estudos May, mostra
que a situação mais nítida de uma vida vazia é a das pessoas que habitam os
grandes centros urbanos, que se levantam à mesma hora todos os dias, tomam o
mesmo ônibus, encontram as mesmas pessoas, executam as mesmas tarefas, almoçam
nos mesmos restaurantes, voltam para casa nos mesmos ônibus, ou sejam, levam
uma vida rotineira e mecânica. A sensação de vazio apresenta muitas vezes a
incapacidade para fazer algo de eficaz a respeito da própria vida e do mundo em
que vivemos. Erich Fromm observou que neste contexto as pessoas deixaram de
viver sob a autoridade da Igreja ou de leis morais, mas se submetem a
“autoridades anônimas”, como por exemplo, a opinião pública a mídia de modo
geral. Basta que observemos como acompanhamos ou nos deixamos acompanhar,
curtir, comentar, compartilhar informações nas redes sociais.
No presente contexto outra
característica que se apresenta é a solidão. Assim, a sensação de vazio e a
solidão andam juntas. Quando por exemplo uma pessoa fala do rompimento de uma
relação amorosa raramente fala da tristeza ou da perda, mas sim de um
sentimento de vazio, ou seja, a perda parece “deixar um buraco”.
A
sensação de isolamento ocorre quando a pessoa se sente vazia e amedrontada, não
apenas porque deseja sentir-se protegida da multidão, como um animal selvagem
se resguarda vivendo em bandos. A ânsia pela proximidade dos outros não é
também um simples desejo de preencher o vácuo interior, embora esta seja, com
certeza, uma faceta de necessidade de companheirismo humano de que se sente
ansioso. O motivo mais fundamental é que o ser humano adquire sua primeira
experiência do self no relacionamento com seus semelhantes e quando está
sozinho, desligado de outras pessoas, teme perder esta experiência.
Para além do vazio e a
solidão outros elementos surgem como desafios no contexto atual sendo eles: a
ansiedade, a depressão, o individualismo, a sociedade “fluida” como aponta
Bauman, a competitividade, entre outros. Diante desta realidade a construção da
identidade ou ainda o reconhecimento da identidade, o processo de autoconhecimento
o que pressupõe perguntas relacionadas ao sentido da vida, da existência, da
morte ficam cada vez mais fragmentadas. Nos séculos passados, pertencer a uma
comunidade ou a um grupo eram elementos que andavam juntos com a questão da
identidade, ou seja, o fato de fazer parte de uma determinada comunidade ou
grupo mostrava de certa forma quem cada pessoa era. Atualmente, percebe-se que
“pertencimento” e “identidade” não tem a solidez que antes tinha e por isso não
são garantias de toda uma vida.
Em
nossa época liquido moderna, o mundo a nossa volta está repartido em fragmentos
mal coordenados, enquanto as nossas existências individuais são fatiadas numa
sucessão de episódios fragilmente conectados. Poucos de nós, se é que alguém,
são capazes de evitar a passagem por mais de uma “comunidade de ideias e
princípios”, sejam genuínas ou supostas, bem integradas ou efêmeras, de modo
que maioria tem problemas em resolver a questão da La mêmete (a consciência e continuidade de nossa identidade com o
passar do tempo).
Naquele contexto era
possível falar em uma sociedade de conhecimento mútuo, ou seja, no seio de uma
comunidade ou de uma rede familiar o lugar de cada pessoa era evidente e,
portanto impassível de ser questionado. No mundo liquido moderno por outro
lado, buscamos, construímos e mantemos as referencias de nossas identidades em
movimento, ou seja, em uma luta constante para nos juntarmos aos grupos que
também estão em movimentos. As respostas às perguntas sobre a essência da vida,
sobre quem somos concretiza-se ou não neste movimento.
A ausência de
sentido, o vazio, a solidão tem caracterizado este mundo diante de questões
como a vida, o seu sentido, a morte. Distante de tradições milenares ou de leis
morais, que eram marcadamente expressão da solidez da sociedade passada o mundo
que nos rodeia não nos ensina a vivenciar um processo de autoconhecimento,
tampouco de compreender a vida ou a morte. Em uma das conferencias realizadas
por Maurice Zundel ele expressa: “O que
fazemos da nossa vida? Estamos à procura de nós mesmos, fugimos de nós,
reencontramo-nos de forma intermitente e nunca chegamos a fechar o circulo, a
definir-nos a nós próprios, a saber quem somos... não temos tempo, a vida passa
tão depressa, estamos absorvidos pelas preocupações materiais ou por diversões...”
A busca pelo
conhecimento de si mesmo, da identidade não parece ter sido a tarefa e a
preocupação de nossos contemporâneos. Entretanto, autores como Jean Yves Leloup
e Marie de Hennezel tem suscitado o convite a este movimento. Desse modo, estes
autores apontam a reflexão acerca da espiritualidade como elemento importante
neste processo de compreensão de temas acerca da vida, da existência e da
morte. A espiritualidade, segundo a perspectiva destes autores é entendida como
“algo que faz parte de todo o ser que se questiona diante do simples fato de
sua existência. Diz respeito à sua relação com os valores que o transcendem,
seja qual for o nome que lhe atribua”.
Conhecer-se é um
processo que começa na infância e se prolonga por toda a vida. Tal processo é
vivenciado por cada pessoa de maneira única, assim, o autoconhecimento e a
procura de si mesmo são diferentes para cada um e cada uma. Alguns autores
mostram que este processo de desenvolvimento apresentam fases que poderíamos
denominar como fases ou etapas comuns. Entretanto, a forma como cada pessoa em
sua singularidade vai construir, fazer, refazer é única e intransferível.
É possível afirmar
que o processo de tornar-se pessoa, de conhecer-se é ao mesmo tempo uma experiência
simples e profunda na vida do ser humano. Neste processo, o convite é que o ser
humano possa ser sempre mais e por isso a necessidade central da vida se
encontra na realização das potencialidades. Assim sendo, quanto se explora as
potencialidades das quais cada um é capaz mais se sente a profunda alegria de
ser quem se é. A pergunta constante: “Quem
sou eu?” caminha ao lado do que significa viver, do que significa
compreender o sentido da vida.
A espiritualidade
neste processo tem um papel importante, pois ela pode ser “aquele passo a mais”
que pode ser dado no processo de autoconhecimento. Segundo Hennezel e Leloup, “dar um passo a mais na aceitação da minha
fadiga, na aceitação de meus limites, limites de minha inteligência, de minha
incompreensão, diante do sofrimento”, isto significa a busca constante do
entendimento de quem somos. No mundo em que vivemos diante do vazio, da
solidão, do não pertencimento a uma comunidade especifica; a busca constante em
dar este passo a mais, a busca em se conhecer aprofundando o sentido da vida
significa a possibilidade de uma vida mais integrada ainda que em um mundo
líquido moderno.
Referências bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005
HENNEZEL, Marie de;
LELOUP, Jean-Yves. A arte de morrer: Tradições
religiosas e espiritualidade humanista diante da morte na atualidade. Tradução
de Guilherme de Freitas Teixeira. Petrópolis, Vozes, 2012.
MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo.
Petrópolis, Vozes, 2012.